Foi recentemente dado a conhecer o Programa do Governo para o horizonte temporal 2019-2023 e, com destaque evidenciado durante a última campanha eleitoral para a necessidade de enfrentarmos com firmeza e determinação o fenómeno das alterações climáticas e caminharmos de modo acelerado para a desejada neutralidade carbónica do País, seria de esperar que fossem já identificadas políticas e definidos mecanismos concretos por parte do Governo para a legislatura que agora começa.
No entanto, o Programa do Governo não é conclusivo, apesar de efetuar um diagnóstico da situação atual do País, reconhecendo que somos um dos países da União Europeia mais vulneráveis às alterações climáticas e que, para limitar os seus impactos, precisamos de reduzir ativamente as emissões de gases de efeito de estufa e transformar a economia nacional, na procura de um modelo mais eficiente no uso regenerativo dos recursos e amigo do ambiente.
O Governo dá ênfase ao facto de a necessária transição energética poder constituir uma oportunidade muito relevante para Portugal, que, alega, ser rico em sol, vento e mar, mas não em petróleo!
Concentrando atenções no setor dos transportes, o Governo refere que estes são responsáveis por 24% das emissões de gases com efeito de estufa e por 74% do consumo de petróleo em Portugal, sendo também uma das principais fontes de ruído e poluição do ar, em particular de emissões de óxido de azoto e partículas.
Assim, é traçada a meta de reduzir as referidas emissões de gases de efeito de estufa no setor dos transportes em 40% até 2030, mediante a aposta nos transportes públicos acessíveis e de qualidade, com destaque para o transporte ferroviário, bem como pela generalização dos veículos elétricos, progressivamente em modo partilhado e autónomo, e pelo incentivo das formas de mobilidade ativa, como o uso da bicicleta.
A intenção manifestada pelo Governo de favorecer os veículos elétricos na componente fiscal suscita, desde logo, a dúvida sobre se este favorecimento se irá materializar por uma redução da carga fiscal incidente sobre os automóveis elétricos ou, alternativamente, por um agravamento ainda maior dos impostos que incidem sobre a aquisição e utilização dos veículos tradicionais movidos a motores de combustão
Sendo claro que existe um objetivo bem definido para facilitar a transição para a mobilidade elétrica e o reconhecimento de que o automóvel não deixará de ter um papel relevante na mobilidade do futuro, o Governo enuncia apenas como principais medidas nesta área: (i) o reforço da rede de carregamento de veículos elétricos, designadamente com a sua expansão a todo o território nacional, o incremento significativo do número de postos de carregamento rápido e estabelecer a obrigatoriedade de instalação de pontos de carregamento em edifícios novos e em determinadas infraestruturas de acesso público (como as interfaces de transportes); e (ii) manter a aposta na mobilidade elétrica, favorecendo no plano fiscal os veículos elétricos.
Ora, para além de vaga, a referida intenção manifestada pelo Governo de favorecer os veículos elétricos na componente fiscal suscita, desde logo, a dúvida sobre se este favorecimento se irá materializar por uma redução da carga fiscal incidente sobre os automóveis elétricos ou, alternativamente, por um agravamento ainda maior dos impostos que incidem sobre a aquisição e utilização dos veículos tradicionais movidos a motores de combustão.
Para podermos perspetivar como se poderá dissipar a referida dúvida, importa relembrar que já hoje a aquisição e utilização de automóveis elétricos beneficia de apoios financeiros e fiscais relevantes.
Com efeito, os benefícios fiscais associados à aquisição e utilização dos automóveis elétricos passam pela isenção de Imposto sobre Veículos (ISV) e Imposto Único de Circulação (IUC), respetivamente.
Por outro lado, o Código do IVA possibilita a dedução do imposto nos casos em que o custo de aquisição relevante para efeitos de IRC não exceda os € 62.500 e os automóveis estejam conexos com uma atividade empresarial sujeita e não isenta de IVA.
As empresas podem ainda contar com amortizações fiscalmente dedutíveis em sede de IRC sobre o custo de aquisição dos automóveis elétricos até um limite de € 62.500, sem que, quer as amortizações, quer as demais despesas inerentes à utilização de tais automóveis elétricos se encontrem sujeitas a tributação autónoma em sede de IRC.
Não podemos também descurar que ainda se encontra disponível um apoio financeiro à aquisição de automóveis elétricos, que para os particulares é de € 3.000 e para as empresas é de € 2.250 (ainda que limitado a um determinado número máximo de automóveis por ano).
Assim, não se poderá naturalmente excluir a possibilidade de vir a ser concretizado um agravamento do ónus fiscal que incide sobre os demais automóveis, designadamente os que sejam movidos exclusivamente a motores de combustão.
Com efeito, apesar de o setor automóvel já hoje em dia contribuir de um modo tão significativo para as receitas fiscais do Estado, a intenção manifestada pelo Governo de favorecer no plano fiscal os veículos elétricos (que já beneficiam atualmente de um nível de tributação substancialmente reduzido) e, assim, dar corpo aos objetivos de redução das emissões dos gases de efeito de estufa e atingir a neutralidade carbónica em 2050, pode ser o argumento suficiente para que tenhamos um agravamento fiscal adicional sobre o setor automóvel.
O Orçamento do Estado para 2020, que se aproxima, poderá começar, desde já, a levantar a ponta do véu!