Segunda parte da entrevista a Rui Soares Ribeiro, presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).

Depois de uma análise aos indicadores de sinistralidade em 2020 e à importância do Sistema Nacional de Controlo de Velocidade (SINCRO) para a redução do número de acidentes e de vítimas  de acidentes rodoviários, feita na primeira parte da entrevista que concedeu à Fleet Magazine de novembro de 2020, altura de inquirir Rui Soares Ribeiro sobre a responsabilidade das empresas no âmbito da prevenção rodoviária.

Sobretudo da parte daquelas que, por força do aumento do comércio eletrónico, conheceram um aumento significativo na sua atividade de distribuição, mas também se confrontaram com uma maior pressão desse serviço.

Que papel podem desempenhar as empresas na promoção ou implementação de melhores práticas que promovam a redução da sinistralidade?

É no âmbito desta diversificação e promoção da responsabilidade social na estrada, que contamos com toda a sociedade.

Todos temos um papel a desempenhar na promoção da segurança rodoviária, e, neste sentido, as empresas e entidades que dispõem de veículos ao seu serviço, devem assumir um papel de promotores de uma cultura de segurança rodoviária, não só a nível interno, como também, adotando uma imagem externa socialmente responsável em todos e em cada um dos seus veículos.

Temos de assumir que a segurança rodoviária é um desígnio nacional e uma responsabilidade de todos.

Rui Soares Ribeiro, presidente da ANSR: segurança rodoviária é responsabilidade de todos

Pela experiência da ANSR, qual a importância da aplicação de alguns requisitos identificados na Norma ISO 39001?

A sinistralidade laboral que envolve veículos tem um impacto económico e social que não pode ser ignorado. As empresas devem capacitar-se com ferramentas que lhes permitam erradicar a sinistralidade envolvendo os seus veículos, ou, pelo menos, minimizar as suas consequências.

Nesse sentido, a Norma ISO 39001 disponibiliza um conjunto de ferramentas que promovem a segurança rodoviária através da adoção de comportamentos individuais e coletivos que se aplicam aos veículos e a todos os que os utilizam.

Devido ao tempo que decorreu desde a publicação desta norma, bem como ao reduzido número de entidades certificadas, não é possível, por ora, fazer um balanço do seu impacto nas organizações.

No entanto, a ANSR continua a realizar iniciativas para a sua divulgação, no sentido de a dar a conhecer ao maior número possível de entidades, sensibilizando-as para o flagelo da sinistralidade rodoviária, também em contexto laboral, e indicando-lhes soluções para a evitar.

O crescimento dos serviços de entregas de alimentos, através de estafetas, ou a aquisição de outros bens através de plataformas eletrónicas, veio introduzir uma nova realidade na mobilidade, em especial nas zonas urbanas, com natural impacto ao nível da segurança rodoviária. Identificámos três fatores que justificam, da nossa parte, uma especial atenção a este fenómeno, pois concorrem para um potencial aumento de sinistralidade

O aumento do comércio eletrónico está a gerar uma pressão maior sobre as empresas de distribuição, pressão que acaba por refletir-se também nos condutores, potenciando comportamentos de risco. De que forma está a ser encarado este facto?

O chamado “comércio eletrónico” coloca grande pressão nas empresas de distribuição e nos condutores dos seus veículos. Embora esta situação tenha atualmente mais visibilidade, devido ao momento de pandemia que vivemos, a mesma merece a nossa preocupação desde há algum tempo.

O crescimento dos serviços de entregas de alimentos, através de estafetas, ou a aquisição de outros bens através de plataformas eletrónicas, veio introduzir uma nova realidade na mobilidade, em especial nas zonas urbanas, com natural impacto ao nível da segurança rodoviária.

Esta questão assume maior relevo quando muitas destas entregas são efetuadas mediante a utilização de veículos de duas rodas, pois cada vez mais as distribuidoras utilizam a redução dos tempos de entrega como fator diferenciador perante a concorrência.

Identificámos três fatores que justificam, da nossa parte, uma especial atenção a este fenómeno, pois concorrem para um potencial aumento de sinistralidade, especialmente em meio urbano: a utilização crescente de veículos de duas rodas, que colocam o seu condutor numa posição mais vulnerável; a pressão na redução dos tempos de entrega e o aumento da procura destes serviços, com o consequente aumento competitivo e de número de veículos envolvidos.

Podemos juntar um quarto fator, a pouca experiência e falta de formação dos condutores desses veículos, que os coloca em desvantagem quando comparados com os restantes condutores profissionais.

Embora não tenha dados recentes, estimo que muitos condutores que trabalham neste tipo de distribuição fazem-no como forma de ter um rendimento extra ou em situação de precaridade laboral. Nestas situações, com maior expressão entre os distribuidores que utilizam veículos de duas rodas, não existirá, infelizmente, uma grande preocupação na sua habilitação ou formação.

CTT: E-commerce e os desafios à gestão de frota (Parte I)

Em que medida as empresas que operam podem ser corresponsabilizadas pelo comportamento destes condutores?

Naturalmente que as empresas distribuidoras têm uma responsabilidade acrescida e deverão encarar a segurança rodoviária como a prioridade da sua atividade.

Neste capítulo, deveriam estas empresas adotar a Norma ISO 39001 – Segurança Rodoviária nas Organizações, documento que, como já se disse, oferece um conjunto de ferramentas de gestão, para implementação de uma cultura de segurança rodoviária nas organizações.

A adoção desta certificação confere às empresas uma vantagem qualitativa e uma responsabilidade social que poderá pesar e fazer a diferença, aquando da escolha por parte dos clientes.

Não obstante a pouca inclusão da referida norma, congratulamo-nos em ver que grandes empresas nacionais detentoras de empresas de frotas já manifestam uma clara preocupação com a segurança rodoviária, como é o caso dos CTT, que há muito desenvolveram normas e um manual de conduta ao volante, para além de uma monitorização constante e permanente dos indicadores de segurança rodoviária na sua frota.

Ao nível das duas rodas, também recentemente uma empresa de distribuição alimentar, possuidora de uma grande frota de ciclomotores e motociclos, proporcionou a alguns dos seus condutores a frequência de uma ação de formação dirigida a veículos de duas rodas a motor, levada a cabo pela Guarda Nacional Republicana.

E a imposição de medidas legais no sentido de aumentar a segurança destas operações?

Porventura, mais importante do que a criação de imposições legais, a consciencialização da necessidade da adoção de uma cultura de segurança rodoviária por parte das firmas deve estar no horizonte dos gestores e responsáveis de todas as empresas. Em particular das que usufruem de profissional de viaturas.

Prossiga para terceira parte da entrevista a Rui Soares Ribeiro, presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR):

Avaliação das condições de circulação é fundamental para compreender a sinistralidade registada em algumas estradas (III)